Andando pelo meu apartamento, tropeço em pedaços da minha pele que troquei pelos anos, assim como os antigos imaginavam que os répteis renasciam ao trocar de pele eu também observei meus restos mortais, restos de pessoas que já fui, de idéias nas quais já acreditei, de pessoas que se foram junto com aquela antiga pele.
Me pego a pensar em um canto soturno e individualista da minha mente que de todas as perdas que tive na vida, todas as mortes e separações, a única que continua a me atormentar com saudades, possibilidades e melancolia são as minhas próprias mortes, mortes de cada período da minha vida onde me despi de alguém que fui e vesti aos poucos uma nova pele de alguém que sou.
Mas sempre volto a relembrar nessas pequenas partes que deixei de mim mesmo, elas são fotos, porcarias, brinquedos, equipamentos, que me trazem as idéias da época, as crenças, as fantasias, os sorrisos e esse conjunto acaba por recordar os ideais e valores, estes que por mais que eu tente matar sempre deixam fantasmas que me atormentam como uma consciência da minha consciência.
E assim por vezes tento chorar e acender velas, por vezes tento reviver aquilo, mas logo noto que é impossível ser aquela pessoa novamente, ela é apenas um corpo oco feito de trejeitos e uma mentalidade ultrapassada.
Caminho por entre estes pequenos túmulos, tentando como todo amigo de falecidos, trazer o que eles tem de melhor e que podem assim me fazer sorrir, mas como todo defunto, sempre fica a nostalgia do que poderia ter sido, e como era melhor quando ele estava lá.